Geleia de Menta

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Utopias Tecnocratas

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Quando o Perceptron foi apresentado ao mundo os jornais se mostraram empolgados além de qualquer bom senso sobre as grandes mudanças que aquel algoritmo traria ao mundo, o NY Times dizia que:

“Washington, 7 de Julho - A Marinha revelou o embrião de um computador eletrônico hoje, que se espera que terá a habilidade de andar, falar, ver, escrever, reproduzir a si mesmo e ter consciência de sua existência.”

Existem vários exemplos de enganos, como a reportagem do Fantástico nos anos de 1983 falando que no futuro a maior parte do trabalho seria substituída por robôs e as pessoas teriam uma vida melhor.

Aliás é realmente interessante se questionar onde estão as pessoas nesses delírios tecnocráticos todos. É fácil imaginar onde as elites econômicas estão, onde as máquinas estão, mas e quanto a nós, pessoas comuns e grande massa populacional?

Eu realmente gosto de Androides Sonham Com Ovelhas Elétricas? de Philip K. Dick porque dá atenção a quem ficou para trás fingindo ter uma vida normal onde tudo se tornou uma imitação artificial do que era a realidade e todos estão fadados à morte, tão bem simbolizada pela onipresente poeira que domina todos os espaços.

Não é apenas um choque de visões sobre o futuro o que há nesses discursos nem é uma questão de posicionamentos opostos, mas diferentes pontos a que se dá atenção sobre as mesmas projeções. E da mesma forma que um sonho é carregado de significados e cada discurso sobre o futuro carrega em si uma mensagem sobre a pessoa ou veículo que fala, especialmente sobre como ela se enxerga atualmente e como imagina ser seu lugar neste imaginado futuro, isso também revela muito sobre o presente, seja como estratégia política (num sentido amplo de política) ou até mesmo sobre as condições presentes. Mas por enquanto não quero falar deste assunto de forma tão abrangente, meu objetivo aqui é falar muito especificamente de trabalho, renda e sua relação com tecnologia.

Da indústria ao consumo

Eu realmente não vejo distopias futuristas como uma teorização sobre o futuro, para mim sempre é mais uma reflexão ou análise sobre fenômenos que interessam a quem escreveu a distopia. Sinceramente, estes textos que escrevo têm um objetivo similar, tenho escrito acima de tudo para poder pensar melhor em coisas que me inquietam ou me incomodam eu não conseguir nem compreender direito, isso é consequência desse contínuo exercício que todos nós somos obrigados pelas circuntâncias a realizar, o de compreender a realidade em nossa volta e onde nos encaixamos no mundo. O distanciamento e a lente de aumento usada pela distopia me parece perfeita para esse exercício.

A era industrial

Acho que todos em algum momento da vida ouviram aquela informação da wikipédia:

“Robô” vem de “roboto”, uma palavra tcheca que significa servidão.

Não creio que eu precise desenvolver simbolicamente o que isso significa mas considero útil falar do contexto de origem: justamente uma peça teatral da década de 1920 chamada R.U.R., e assim como Nós, escrito por Zamiatin na mesma década, lida com o processo de produção fabril. Admito meu receio em usar o termo “fabril” mas não vejo escolhas, é que não se trata apenas da fábrica, mas da lógica de produção industrial da época, e em ambas as obras a questão do trabalho e como pessoas são reduzidas a coisas usadas para servir, sejam a outras pessoas ou a um ideal de civilização ou produção têm suas semelhanças. Também vale ressaltar nessa leva, o ano de publicação de 1984, de Orwell, 1949.

Mas continuando, se as primeiras distopias tinham esse sentido de pensar a administração de populações com a lógica fordista, taylorista ou qualquer outros “ista” relacionado, com a produção industrial, mas já nas décadas próximas à crise desse modelo econômico, vemos também surgir na literatura distópica e até de forma abrangente, futurista, questões mais filosóficas e éticas ligadas à própria humanidade e à sua fragilidade social e a determinados momentos políticos, como o impacto da guerra e das ditaduras, algo claramente presente nas obras que citei no outro parágrafo, e penso que nenhuma é mais clara que isso do que 1984 ao lidar com os conjuntos de forças políticas e hegemônicas estatais numa época que o Estado concentrava o poder político e as decisões econômicas.

Crise e indefinição

É interessante notar como os livros de Asimov e Arthur Clarke representam bem a atenção dada à ciência e não a apenas administração de populações de forma a excluir sua humanidade. Pessoalmente considero bem digno de atenção como essa percepção sobre o ideal da ciência ser algo tão puro quando foi o progresso científico e tecnológico que possibilitou a revolução industrial e fez com que o cenário da industrialização se formasse. Também é digno de nota como a fragilidade humana e a consciência de suas limitações começam a surgir, embora seja bem mais evidente décadas depois em livros como Solaris e Piquenique na Estrada.

Da crise da produção industrial, agora sem grandes guerras para absorver a demanda da produção e com o nascimento da ideologia neoliberal e seus esforços pela precarização do trabalho, o sentido social do trabalho também muda e o trabalhador deixa de ser visto institucionalmente como um robô cumprindo sua função de existir, e aqui ganha tonalidades mais invidualizadas e menos coletivistas. Na literatura, um cientista deixa de ser apenas um cientista genérico e se torna uma pessoa na função de cientista mas que tem suas dúvidas e questiona a ciência. Há uma crise identitária evidente numa época que a terceirização crescia, os empregos começavam a deixar de ser para a vida toda, as grandes fábricas com vilas operárias onde toda a vida dos funcionários girava em torno da empresa que era a provedora da escola dos filhos até do lazer dos funcionários (basta ver quantos times de futebol nasceram ligados a fábricas). Agora o cenário é de instabilidade, incertezas, a guerra fria continua, há turbulências políticas tornam o futuro incerto.

Para mim, o livro que melhor representa tudo isso é Androides sonham com ovelhas elétricas? que além do que eu já falei no início deste texto ainda deixa implícita a revolta de trabalhadores, se conectando à peça de teatro R.U.R. ao mesmo tempo que lança uma outra perspectiva sobre o papel dos agentes repressores, os colocando no mesmo patamar, afinal de que servem esses papeis se todos estão na mesma condição? Tal crise também atinge a ciência, onde livros como Solaris e Piquenique na Estrada colocam em xeque o quanto a humanidade é especial e encaram as fragilidades da civilização. A ciência deixa de ser um rumo e se torna algo que realmente é: um método onde até cumprir o longo caminho que tende à verdade, só podemos dizer no máximo que “tudo indica que é assim” mas que basta 1 único fato que mostre o contrário, e tudo envolta do novo fato exige que seja repensado, reanalizado e redescoberto.

Imperfeição e consumo

Gosto muito de Piquenique na Estrada, e nele já aparece algo muito forte em Neuromancer, que é a necessidade de sobrevivência num mundo injusto e desigual, onde a situação das pessoas comuns como trabalhadores se estabilizou e agora elas são como produtos ou ferramentas, não há mais a coletividade como existia no passado, uma administração que reduzia todos à mesma fórmula, agora tudo é caótico e a necessidade de sobrevivência coloca o dinheiro no centro de tudo. O que chega mais próximo ao trabalhador quanto peça num mecanismo maior é o caso das zaibatsus, as grandes empresas familiares japonesas que nos livros da trilogia são apresentados quase como organismos vivos compostos pelos funcionários, Stiner certamente colocaria esta figura como um perfeito exemplo do tal fantasma da instituição.

Por esses dias tenho pensado bastante sobre todo o apelo que temos pela produtividade atualmente e como isso se encaixa bem nos melhoramentos feitos por personagens que vendem não apenas seu trabalho, eles em si são produtos que são comercializados e suas features são fundamentais para designar seu preço. O mesmo vale para a ciência, que não guia mais a humanidade para um luminoso futuro nem esclarece mais nada, a ciência vale pelos seus produtos, tudo tem um preço. Talvez seja justo dizer que nesse contexto a vida se resume ao trabalho e se ver como uma máquina deixa de ser uma violência como no livro Nós e passa a ser desejado, o corpo humano passa a ser vergonhoso diante da máquina que se assemelha a uma divindade perante nós, primatas. Além disso é realmente interessante como o trabalho e o consumo se confundem, mais uma vez o trabalho é como um elemento que “define” a função social, que neste caso é estritamente privada, mas falar em “definir” é deixar muita coisa de fora, seria mais justo falar em “tornar um modo de vida possível de ser consumida” e junto com isso há necessariamente um fator ideológico que não é mais a fé em algum sistema mas justamente a ausência da fé: se busca ser mais que apenas humano por que ser só humano não basta, estão todos sozinhos lutando entre si numa busca que só faz sentido numa estrita lógica imediatista, seja pelo prazer ou pelo poder, onde o alto risco em tudo torna a necessidade do lucro rápido fundamental para alimentar todo este ciclo.

Biopolítica

Originalmente pensei em falar da precarização do trabalho mas depois pensei melhor e vi que o melhor caminho para dizer o que pretendo é pela política, especialmente pelo termo cunhado por Foucault, a biopolítica, que ele define como a política sobre a totalidade da vida humana, indo desde a saúde e à aparência ao comportamento e até mesmo às idéias e visão de mundo. Todos os aspectos da vida são governados mas falar apenas isso é não dizer nada, é preciso compreender como essa noção foi construída, primeiro através dos governos que tomaram para si a responsabilidade de garantir uma população economicamente ativa e produtiva segundo os interesses econômicos e políticos através de coisas como a saúde pública e a educação (especialmente sobre este último a escola prussiana é notável), mas que à medida que a ideologia das classes dominantes tende ao neoliberalismo, o conceito de liberdade propagado por essa ideologia política subverte o próprio sentido da liberdade e faz a pessoa negar sua própria condição social e até mesmo humana para caber nesse regime que regula todos os aspectos da vida humana.

Esta mudança que apontei tanto no parágrafo anterior quanto na rápida análise que fiz que de alguns livros é algo que verdadeiramente me intriga, afinal os discursos permanecem aficcionados, por uma noção de excessivo poder e controle estatal quando se destitui direitos até então considerados básicos, se fala de “flexibilização” como algo positivo, criando no imaginário de quem compra o discurso, no sentido de trabalhar menos e poder escolher horários que sejam mais convenientes para trabalhar quando na realidade coloca o trabalhador para trabalhar por muito mais tempo e ganhando menos, mas talvez o mais curioso seja o aspecto da falsa igualdade ao comparar um entregador que trabalha via aplicativo com o mítico empreendedor, como se ele estivesse em igualdade com o dono do aplicativo ao qual ele presta serviços mas na verdade está preso pelas amarras das condições impostas.

Por mais que eu tente manter a linha de Foucault não consigo deixar de me desviar um pouco e falar mais uma vez de Stiner, afinal em cada época há uma linguagem e ritos que materializam no cotidiano os símbolos que carregam consigo a visão de mundo de cada ideal de sociedade, talvez essa seja a maior diferença percebida de imediato entre a sociedade industrial e a sociedade de consumo. Se no passado a uniformidade e ordem eram onipresentes com a rotina militarizada do funcionário/cidadão ideal, que se encaixa em todas as normas de aparência e comportamento esperadas ligadas à obediência, hoje isso permanece quase igual mas com algumas pequenas diferenças, a começar pelo esforço de se reafirmar como indivíduo único/especial, e nisso a uniformidade ganha um caráter mais ideológico e menos concreto justamente quando se compreende como a identificação consegue ser maior com o patrão do que com o colega de trabalho, maior com o empresário que aparece na TV do que com o vizinho.

O discurso meritocrático, por mais absurdo que seja, atinge com muita força os desesperados e o capitalismo joga bem com o desespero e o medo, sendo o ritmo acelerado de tudo em nossa volta, a urgência das necessidades básicas de sobrevivência ou de satisfação um propulsor que projeta essa rota de fuga insana e desesperada como o único caminho possível. Afinal, a meritocracia nada mais é que uma utopia de igualdade entre pessoas em condições inteiramente diferentes. E da mesma forma que a tal democracia racial propagada por Gilberto Freire escondia em si um racismo que ignorava a violencia opressora ao ponto de até parecer que pessoas escravizadas estavam felizes por essa condição, o discurso meritocrático reforça a exploração exatamente quando diz que basta dar lucros absurdos ao patrão que o lucro também será seu. Mas este ainda não é o ponto que quero chegar, neste ponto de ascenção meritocrática as pessoas ainda não se enxergam como produtos, é preciso uma dose de niilismo e para isso é preciso alcançar uma crise de identidade, que é quando se dá conta que não há igualdade e não há outra alternativa a não ser aceitar a precarização por mais desumana que seja.

Tive um colega de trabalho que até hoje penso nele como um exemplo de uma confusão de identidade justamente nesse ponto ideológico que quero chegar, não nego a semelhança ao duplipensar definido por Orwell (aceitar como absoluta verdade algo mais que claramente falso), mas há uma contradição entre o que é lógico dada a situação do sujeito e a ação tomada por ele, há um enorme esforço para contruir uma identidade de capitalista neoliberal mesmo sendo pobre, e aqui peço a quem estiver lendo que não pense no estereótipo “pobre de direita”. Um dos motivos de eu escrever este texto é digerir este assunto, como é possível uma pessoa negar tanto a própria condição, construir uma autoimagem tão irreal e agir contra si mesmo para se sentir próximo a uma imagem idealizada de sucesso (que nesse caso se resume a dinheiro e que equivale a felicidade através do consumo de um estilo de vida)? Talvez eu devesse seguir pelo caminho do dinheiro…

Costumo dizer que o dinheiro é acima de tudo simbólico, isso tem implicações bem amplas, afinal seu significado vai desde poder saciar a fome e ter moradia até a ser reconhecido como um profissional num emprego (preciso parar de falar em emprego, isso sugere uma continuidade que me parece tender a não mais existir). A economia parece ter ocupado todos os espaços, até o Estado que no liberalismo deveria regular a economia, com o neoliberalismo passa a ser controlado pela economia, e economia se restringiu ao abstrato mercado internacional e investidores estrangeiros sem face. Há algo de intangível em toda essa imaterialidade dos discursos: enquanto as promessas falam que quanto mais os ricos ficarem mais ricos, todo o país enriquece junto (como se houvesse uma distribuição dos lucros com as pessoas comuns). Neste ponto é que entra a meritocracia, afinal ela é usada como explicação para a disparidade entre a miragem e a realidade, e nisso se tem somado o discurso do caráter moral do trabalho herdado desde o começo do século XX. Ao fim das contas, a meritocracia reforça que é todos contra todos e mais que isso, cria diferenças entre semelhantes, demonizando movimentos sindicais por exemplo, reforçando a aceitação até chegar ao desejo pela precarização como uma reafirmação da própria persona profissional criada para ser aceita num mundo neoliberal.

A melhor explicação que consegui chegar para mim mesmo foi essa, admitir que está fazendo mal a si aceitando condições cada vez mais absurdas de trabalho significaria então destruir toda uma persona criada e que parece ter dominado todos os aspectos da vida já que não basta só trabalhar e ser competente no que faz, é preciso se manter ideologicamente alinhado e este alinhamento alcança todos os aspectos da vida, da saúde à aparência e até mesmo às idéias e visão de mundo. Há uma estética idealizada que passa pela negação do próprio corpo e humanidade, afinal o consumo excessivo de energéticos nada mais é do que admitir que seu corpo, humano como é, é incapaz de superar os outros na luta por se provar “superior”, se houvesse implantes como eu Neuromancer, não duvido de sua popularidade por mais caros que fossem.

Toda esta loucura é muito evidente em locais como LenkedIn, quem nunca viu (nem que sejam piadas) sobre as tais “rotinas de sucesso” que tratam como mandamentos obrigatórios coisas absolutamente inúteis mas com um tom ritualístico e impondo comportamentos absolutamente nada humanos, como se nós fôssemos programáveis como máquinas, que produz igual todos os dias ainda que exista essa pressão sempre presente por produzir cada vez mais e aí tudo tende a ser cada vez mais burocrático e caótico: da mesma forma que um software tem logs para o programador ou administrador do sistema possa identificar falhas e analisar as demandas e comportamento do programa, a pessoa deve anotar coisas o tempo todo, toda a ação na vida é cronometrada e registrada, tudo tem prazos e agendamento. Juro que tive um professor que mesmo se fosse falar uma coisa rápida com ele no corredor entre uma aula e outra ele exigiria que agendasse. Ele tinha horário agendado para tudo, até para beber água, e isso não é uma hipérbole.

O que é ser humano?

Algo que me parece bem claro nisso tudo é que a utopia neoliberal passa necessariamente pela precarização do trabalho, mas este é um sintoma de algo mais amplo. Há essa subversão do conceito de humano pelo do Homo economicus, um sujeito que centraliza todos os aspectos de sua existência num modelo econômico visando apenas o dinheiro (dinheiro = felicidade = consumo de estilo de vida), racionalizando para este fim, todos os aspectos de sua vida à semelhança de uma máquina, tomando para si um ideal absolutamente não-humano de humanidade.

É bem clara a insustentabilidade disso, não só à saúde do corpo mas também a da mente, que também tem suas implicações biológicas e são bastante graves e cada vez mais comuns. Me pergunto com alguma frequência como se dará a próxima crise de modelo econômico que mudará essa percepção de si ou de população. Obviamente o máximo que dá para eu fazer é especular sobre essa tendência à instabilidade que vejo e coisas que me inquietam, mas se eu fosse escrever uma distopia sobre isso, certamente seria ressaltando a distância que o trabalhador comum tem ganhado da figura do empresário de “sucesso”, afinal essa é uma consequência direta da interação intermediada por aplicativo emtre trabalhador e empresa. Já há uma definição de identidade nas pessoas que trabalham por esses aplicativos, tive um colega na faculdade que trabalhava para a Uber e ele dizia “sou uber”, ligado a atividade exercida à própria identidade como sujeito.

A arbritrariedade dos algoritmos também é algo notável ao mesmo tempo que mantém algo de misterioso quase como um oráculo, a ausência de clareza tem dessas coisas de parecer ter mais certeza e estar mais certo do que realmente está, isso não se sustenta sem um discurso de forte embasamento ideológico por trás de um discurso claro e muitas vezes repetido até ser tomado como verdade, e se a pessoa não for um fanático tecnocrata como o ex-colega de trabalho ao qual me referi alguns parágrafos atrás, dificilmente alguém aceitaria de bom grado. Por fim é preciso pensar no lado econômico, os excessos e faltas, a insuficiência dos ganhos dos trabalhadores em favor dos lucros cada vez mais exorbitantes, a inteira desconexão entre mercado e realidade econômica, além da saturação na relação oferta e demanda. Quando tudo é feito prometendo lucros cada vez mais altos quando há logicamente um potencial limitado, a estagação ou crise é inevitável.

Ainda não consigo conectar bem tudo, mas sinto as dores do processo. Tempos atrás, num dos primeiros livros de Bauman que eu li (A Liberdade), lembro quando ele fala da relação entre liberdade e segurança: liberdade implica necessariamente menos segurança enquanto para ter mais segurança a pessoa se priva de alguma liberdade, e isso sintetiza nossa relação com a civilização, a humanidade se organizou em sociedade e depois formou civilizações inicialmente para se proteger da dureza da vida na natureza, a liberdade de movimentação foi restringida pela segurança, primeiro como proteção, depois como habitação, alimentação e assim progressivamente até toda essa multiplicidade de aspectos da vida contemporânea, mas e a partir do momento que a sociedade não oferece nem mais segurança e ainda impede a liberdade? E quando o processo de financeirização da economia e precarização do trabalho e administração do desemprego chegar ao ponto de ter uma enorme massa de inúteis ao sistema econômico?

A ciência é hoje só um produto para a humanidade de modo geral, não há mais o sonho do futuro, como bem disse Zizek, “é mais fácil imaginar o fim da civilização do que o fim do capitalismo”. Não falo na morte da ciência (só do seu ideal) e como agora a tecnologia que antes era fantástica começa a se mostrar nociva e essa percepção tem me parecido cada vez mais comum. Ainda estamos numa economia baseada no consumo mas não é possível prever até quando já que isso exige uma distribuição de renda para manter o consumo alto que é incompatível com a velocidade de acumulação de capital e crise econômica com a pandemia.

Comecei a escrever este texto porque é exatamente assim que me sinto, inútil ao sistema econômico, vendo tanta gente que tem essa mesma percepção, alguns que já se entregaram ao niilismo e mantém certo comportamento suicida de tentar ganhar qualquer coisa para se satisfazer em seguida (se nem mesmo há esperanças de aposentadoria, nem de futuro, para quê fazer algum planejamento?). Minha cabeça está tão confusa quanto o final deste texto, esses questionamentos vagos que não consigo colocar em ordem e nem fundamentar com tanta solidez e precisão quanto eu gostaria. Pensamentos tortos numa realidade que me parece cada vez mais torta e de tão torta tudo parece instável. Quanto uma empresa pode sobreviver só com dinheiro de investidores sem nunca ter algum lucro? É possível só pela força da especulação e propaganda?

Juro não tentar pensar mais e concluir o texto aqui.


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